3. Espécies
Os serviços públicos podem ser classificados segundo duas perspectivas; a funcional e a estrutural.
1) Os serviços públicos como unidades funcionais: À luz de uma consideração funcional, os serviços públicos distinguem-se de acordo com os seus fins.
2) Os serviços públicos como unidades de trabalho: segundo uma perspectiva estrutural, os serviços públicos distinguem-se, não segundo os seus fins, mas segundo o tipo de actividades que desenvolvem.
Como se relacionam entre si os departamentos e os serviços públicos enquanto unidades de trabalho?
Em cada departamento tendem a existir unidades de trabalho diferenciadas, predominando em cada um, aquelas cuja actividade se relacione mais intimamente com o objecto específico de serviço.
4. Regime jurídico
Os princípios fundamentais do regime jurídico dos serviços públicos são os seguintes:
1) O serviço depende sempre de uma pessoa colectiva pública; qualquer serviço público está sempre na dependência directa de um órgão da Administração, que sobre ele exerce o poder de direcção e a cujas ordens e instruções, o serviço público deve acatar;
2) O serviço público está vinculado à prossecução do interesse público; os serviços públicos são elementos da organização de uma pessoa colectiva pública. Estão pois, vinculados à prossecução das atribuições que a lei puser a seu cargo;
3) Compete à lei criar ou extinguir serviços públicos; qualquer serviço público, seja ministério, direcção-geral ou outro organismo, só por lei (em sentido material) pode ser criado ou extinto.
4) A organização interna dos serviços públicos é matéria regulamentar; contudo, a prática portuguesa, é no sentido de a organização interna dos serviços públicos do Estado, ser feita e modificada por decreto-lei, devendo ser usada para esse fim, a forma de decreto regulamentar;
5) O regime de organização e funcionamento de qualquer serviço público é modificável, porque só assim se pode corresponder à natural variabilidade do interesse público, que pode exigir hoje o que ontem não exigia ou reprovava, ou deixar de impor o que anteriormente considerava essencial;
6) A continuidade dos serviços públicos deve ser mantida; pode e deve ser assegurado o funcionamento regular dos serviços públicos, pelo menos essenciais, ainda que para tanto, seja necessário empregar meios de autoridade, como por exemplo a requisição civil;
7) Os serviços públicos devem tratar e servir todos os particulares em pé de igualdade; trata-se aqui de um corolário do princípio da igualdade, constitucionalmente estabelecido no artigo 13.º CRP. Isto é particularmente importante, no que diz respeito às condições de acesso dos particulares aos bens e serviços empregues pelos serviços públicos em favor do público em geral;
8) A utilização dos serviços públicos pelos particulares é em princípio onerosa; os utentes deverão pagar uma taxa, como contrapartida do benefício que obtêm. Mas existem serviços públicos que a lei, excepcionalmente, declara gratuitos. Os serviços públicos não têm fim lucrativo, excepto se encontrarem integrados em empresas públicas;
9) Os serviços públicos podem gozar da exclusividade ou actuar em concorrência; tudo depende do que for determinado pela CRP e pela lei. Quanto aos de âmbito nacional, a matéria é, em princípio, objecto de regulamentação genérica n.º 3 do artigo 87.º da CRP; Lei n.º 46/77, de 8 de Julho, e Decreto-lei n.º 406/83, de 19 de Novembro;
10) Os serviços públicos podem actuar quer de acordo com o direito público, quer com o direito privado; pois, é o que resulta do facto de, as pessoas colectivas públicas disporem simultaneamente de capacidade de direito público e de capacidade de direito privado. A regra geral do nosso país é de que os serviços públicos actuam predominantemente segundo o direito público, excepto quando se achem integrados em empresas públicas, caso em que agirão predominantemente segundo o direito privado;
11) A lei adquire vários modos de gestão dos serviços públicos; por via de regra, os são geridos por uma pessoa colectiva pública;
12) Os utentes dos serviços públicos, ficam sujeitos a regras, que os colocam numa situação jurídica especial, que a doutrina alemã, denomina como “relações especiais de poder”. As relações jurídicas que se estabelecem entre os utentes dos serviços públicos e a Administração, são diferentes das relações gerais que todo o cidadão estabelece com o Estado. Os utentes dos serviços públicos acham-se submetidos, a uma forma peculiar de subordinação aos órgãos e agentes administrativos, que tem em vista criar e manter as melhores condições de organização e funcionamento dos serviços, e que se traduz no dever de obediência em relação a vários poderes de autoridade;
13) Natureza jurídica do acto criador da relação de utilização do serviço público pelo particular, tem, regra geral, a natureza de contracto administrativo, porque entende-se que a fonte dessa relação jurídica é um acordo de vontades, um acto jurídico bilateral e administrativo, porque o seu objecto é a utilização de um serviço público, e o seu principal efeito é a criação de uma relação jurídica administrativa (n.º 1 do artigo 178.º CPA).
5. Organização dos serviços públicos
Os Serviços Púbicos, podem ser organizados segundo três critérios; o da organização horizontal, territorial e vertical. No primeiro caso, os serviços organizam-se em razão da matéria ou do fim; no segundo, em razão do território; no último, em razão da hierarquia.
A organização horizontal, dos serviços públicos atende, por um lado, à distribuição dos serviços pelas pessoas colectivas públicas e, dentro destas, à especialização dos serviços, segundo o tipo de actividades a desempenhar. É através da organização horizontal que se chega à consideração das diferentes unidades funcionais e dentro delas, das diferentes unidades de trabalho.
A organização territorial, remete-nos para a distinção entre serviços centrais e serviços periféricos, consoante os mesmos tenham um âmbito de actuação nacional, ou meramente localizado em áreas menores. Trata-se de uma organização em profundidade, dos serviços públicos, na qual o topo é preenchido pelos serviços centrais, e os diversos níveis, à medida que se caminha para a base, por serviços daqueles dependentes e actuando ao nível de circunscrições de âmbito gradualmente menor.
A terceira modalidade de organização de serviços públicos, é a organização vertical ou hierárquica, que genericamente, se traduz na estruturação dos serviços em razão da sua distribuição por diversos graus ou escalões do topo à base, que se relacionam entre si em termos de supremacia e subordinação.
6. Conceito de hierarquia administrativa
A hierarquia é o modelo de organização administrativa vertical, constituído por dois ou mais órgãos e agentes com atribuições comuns, ligados por um vínculo jurídico, que confere ao superior o poder de direcção e impõe ao subalterno o dever de obediência.
É o tipo de relacionamento inter-orgânico que caracteriza a burocracia.
O modelo hierárquico caracteriza pelos seguintes aspectos:
1) Existência de um vínculo entre dois ou mais órgãos e agentes administrativos; para haver hierarquia é indispensável que existam, pelo menos, dois órgãos administrativos ou um órgão e um agente (superior e subalterno);
2) Comunidade de atribuições entre elementos da hierarquia; sendo indispensável, que tanto o superior como o subalterno, actuem para a prossecução de atribuições comuns;
3) Vínculo jurídico constituído pelo poder de direcção e pelo dever de obediência, em que: entre superior e subalterno há um vínculo jurídico típico, chamado de relação hierárquica.
7. Espécies
A principal distinção de tipos de hierarquia é a causa da distinção entre hierarquia interna e externa.
A hierarquia interna, é um modelo de organização da Administração, que tem por âmbito natural o serviço público. Consiste a hierarquia interna, num tipo em que se toma a estrutura vertical como directriz, para estabelecer o ordenamento das actividades em que o serviço se traduz. A hierarquia interna é uma hierarquia de agentes.
Não está em causa, directamente, o exercício da competência de uma pessoa colectiva pública, mas o desempenho regular das tarefas de um serviço público; trata-se de prossecução de actividades, e não da prática de actos jurídicos. A hierarquia interna vem a ser, pois, aquele modelo vertical de organização interna dos serviços públicos que assenta na diferenciação entre superiores e subalternos.
A hierarquia externa, toma a estrutura vertical como directriz, mas desta feita para estabelecer o ordenamento dos poderes jurídicos, em que a competência consiste. A hierarquia externa é uma hierarquia de órgãos.
Os vínculos de superioridade e subordinação estabelecem-se entre órgãos da Administração. Não está em causa a divisão do trabalho entre agentes, mas a repartição das competências entre aqueles, a quem está confiado o poder de tomar decisões em nome da pessoa colectiva.
8. Conteúdo. Os poderes do superior
São basicamente três: o poder de direcção, de supervisão e disciplinar. O primeiro é o principal poder da relação hierárquica.
· O “poder de direcção” consiste na faculdade de o superior dar ordens e instruções, em matéria de serviço, ao subalterno. As “ordens” traduzem-se em comandos individuais e concretos, em que através delas, o superior impõe aos subalternos a adopção de uma determinada conduta específica. Podem ser dadas verbalmente ou por escrito.
· As “instruções” traduzem-se em comandos gerais e abstractos, em que através delas o superior impõe aos subalternos a adopção, para futuro, de certas condutas sempre que se verifiquem as situações nelas previstas.
· As “circulares” são as instruções transmitidas por escrito e por igual a todos os subalternos. É de salientar que o poder de direcção não carece de consagração legal expressa, tratando-se de um poder inerente ao desempenho das funções de chefia. As manifestações do poder de direcção, esgotam-se no âmbito da relação hierárquica, não produzindo efeitos jurídicos externos.
· O “poder de supervisão”, consiste na faculdade de o superior revogar ou suspender os actos administrativos praticados pelo subalterno. Este poder pode ser exercido de duas formas; por iniciativa do superior, que para o efeito avocará a resolução do caso; ou em consequência de recurso hierárquico perante ele interposto pelo interessado.
· O “poder disciplinar”, por último, consiste na faculdade de o superior punir o subalterno, mediante a aplicação de sanções previstas na lei, em consequência das infracções ao regime disciplinar da função pública.
Outros poderes normalmente integrados na competência dos superiores hierárquicos, são os seguintes:
· O “poder de inspecção”, que é a faculdade de o superior fiscalizar continuamente o comportamento dos subalternos e o funcionamento dos serviços, a fim de providenciar como melhor entender, e de eventualmente, mandar proceder a inquérito ou a processo disciplinar.
· O “poder de decidir recursos”, consiste na faculdade de o superior reapreciar os casos primariamente decididos pelos subalternos, podendo confirmar ou revogar (e eventualmente substituir) os actos impugnados. A este meio de impugnação dos actos do subalterno, perante o respectivo superior denomina-se de “recurso hierárquico”.
· O “poder de decidir conflitos de competência”, é a faculdade que o superior tem, de declarar em casos de conflito positivo ou negativo, entre subalternos, a qual deles pertence a competência conferida por lei. Este poder pode ser exercido por iniciativa do superior, a pedido de um dos subalternos envolvidos no conflito ou de todos eles, ou mediante requerimento de qualquer particular interessado (artigos 42.º e 43.º CPA).
· O “poder de substituição”, é a faculdade de o superior exercer legitimamente competências conferidas, por lei ou por meio da delegação de poderes, ao subalterno.
9. O dever de obediência
O “dever de obediência”, consiste na obrigação do subalterno cumprir as ordens e instruções dos seus legítimos superiores hierárquicos, tendo como objectivo a prossecução das competências dos serviço e sob a forma legal. Pela noção enunciada, resultam os seguintes requisitos:
· Que a ordem ou as instruções provenham de legítimo superior hierárquico do subalterno em causa;
· Que a ordem ou as instruções sejam dadas em matéria de serviço;
· Que a ordem ou as instruções revistam a forma legalmente prescrita.
Consequentemente, não existe dever de obediência quando, por hipótese, o comando emane de quem não seja legítimo superior do subalterno, por não ser órgão da Administração, ou por não pertencer à cadeia hierárquica em que o subalterno está inserido; quando uma ordem respeite a um assunto da vida particular do superior ou do subalterno; ou quando tenha sido feita verbalmente, se a lei exigia a forma escrita.
Para a corrente hierárquica, existe, sempre o dever de obediência, não assistindo ao subalterno o direito de interpretar ou questionar a legalidade das determinações do superior. Admitir o contrário, seria subversão de razão de ser da hierarquia. Para a corrente legalista, não existe dever de obediência em relação a ordens julgadas ilegais. Numa primeira formulação, mais restritiva, dever cessar o dever, apenas se a ordem implicar a prática de um acto criminoso. Numa outra opinião intermédia, o dever de obediência cessa, se a ordem for patente e inequivocamente ilegal, por ser contrária à letra ou ao espírito da lei; consequentemente, há que obedecer, se houver mera divergência de entendimento ou interpretação quanto à formulação legal do comando. Por fim, uma terceira formulação, alargada, advoga que não é devida obediência à ordem ilegal, seja qual for o motivo da ilegalidade; pois, acima do superior está a lei, e entre o cumprimento da ordem e o cumprimento da lei, o subalterno deve optar pelo respeito à segunda. O sistema que prevalece é um sistema legalista mitigado, que resulta dos n.ºs 2 e 3 do artigo 271.º da CRP e do artigo 10.º do Estatuto Disciplinar de 1984.
Assim:
1) Casos em que não existe dever de obediência:
Não existe dever de obediência, senão em relação às ordens ou instruções emanadas do legítimo superior hierárquico, em matéria de serviço e pela observância da forma legal (n.º 2 do artigo 271.º CRP e n.º 7 do artigo 3.º do Estatuto Disciplinar);
Não existe dever de obediência sempre que o cumprimento das ordens ou instruções, implique a prática de qualquer crime (n.º 3 do artigo 271.º CRP), ou quando as ordens ou instruções provenham de acto nulo (n.º 1 do artigo 134.º CPA).
2) Caso em que existe dever de obediência:
Todas as restantes ordens ou instruções, isto é, as que emanarem de legítimo superior hierárquico, em matéria de serviço, com a observância da legal, e não implicarem a prática de um crime, nem resultarem de um acto nulo, devem ser cumpridas pelo subalterno
Se forem dadas ordens ou instruções ilegais, o funcionário ou agente que lhes der cumprimento, só ficará excluído da responsabilidade pelas consequências da execução da ordem, se antes da execução tiver reclamado ou tiver exigido a transmissão ou confirmação delas por escrito, fazendo expressa menção de que considera ilegais as ordens ou instruções recebidas.
A execução da ordem pode ser retardada sem prejuízo para o interesse público; neste caso, o funcionário ou agente pode legitimamente protelar a execução, até receber a resposta do superior, sem que por esse motivo incorra em desobediência.
A demora na execução da ordem pode causar prejuízo ao interesse público, pelo que neste caso, o funcionário ou agente subalterno deve comunicar, logo por escrito, ao seu imediato superior hierárquico, os termos exactos da ordem recebida e do pedido formulado, bem como a não satisfação deste, e a seguir executará a ordem, sem que por esse motivo possa ser responsabilizado.
As leis ordinárias que imponham o dever de obediência a ordens ilegais só serão legítimas se, e na medida em que, puderem ser consideradas conformes à CRP. Ora, esta é clara ao exigir a subordinação dos órgãos e agentes administrativos à lei, traduzido no princípio da legalidade (n.º 2 do artigo 266.º). Existe no entanto, um preceito constitucional que expressamente legítima o dever de obediência, às ordens ilegais que não impliquem a prática de um crime (n.º 3 do artigo 271.º CRP). O dever de obediência a ordens ilegais é, na verdade, uma excepção ao princípio da legalidade, mas é uma excepção que é legitimada pela própria CRP. Isso não significa, porém, que haja uma especial legalidade interna. Uma ordem ilegal, mesmo quando tenha de ser acatada, é sempre uma ordem ilegal, que responsabiliza nomeadamente, o seu autor e, eventualmente, também a própria Administração.