“Today, it is a question of making adjustments which we so far have omitted to make or have only half-completed in order to adapt the European Union to its new size, on the one hand, and to a world which has changed completely, on the other.”
Angela Merkel
Antes da Cimeira do Conselho Europeu de Bruxelas de 21 e 22, que na realidade terminou dia 24, a questão punha-se sobre como se poderia simplificar o projecto constitucional europeu.
A Chanceler alemã, na qualidade de presidente de turno do Conselho desde 1 de Janeiro até 30 de Junho, conseguiu encerrar a cimeira sem a ruptura das negociações, como aconteceu com a Ronda de Doha.
Para alcançar êxito teve de neutralizar o nacionalismo francês e polaco e o oportunismo inglês.
No final de dois dias decisivos de negociações confusas e sem resultados tangíveis, tornava-se necessário fixar um roteiro. Esta cimeira era decisiva, pois a Europa estava inerte desde 2005, quando a França e a Holanda recusaram em plebiscito a adopção do tratado constitucional.
Em seguida o Reino Unido, a Dinamarca e outros três Estados-membros suspenderam as suas consultas. Quanto ao Reino Unido, o então primeiro-ministro Tony Blair, fez tudo para travar o avanço da União Europeia (UE), defendendo a sua aliança quase pessoal com o Presidente George Bush.
Apesar da debandada de altos funcionários ultraconservadores que eram próximos do presidente americano, conjuntamente com Tony Blair defendiam a estranha ideia da existência de um século anglo-saxónico e segundo o eixo Estados Unidos - Reino Unido. Num segundo momento, escolheu um mau momento na administração pontifícia do Papa Bento XVI para anunciar a sua conversão ao catolicismo romano, e se não fosse substituído nas suas funções seria o primeiro chefe do governo inglês a abandonar o protestantismo.
Quanto à Polónia desistiu nos últimos momentos sob pena da Chanceler alemã deixá-la de fora, ao exigir indemnizações adicionais pela II Guerra Mundial. A França insiste em salvaguardar a sua autonomia na UE em matérias como a segurança, política e comércio externo, ou seja, em sectores como os subsídios agrícolas e a questão turca, coincidindo com a visão da Polónia sobre as mesmas matérias.
Não obstante, a cimeira decidiu simplificar o projecto de tratado constitucional. Cabe recordar que dezoito Estados-membros aderiram ao projecto da carta.
A Roménia e a Bulgária, ingressaram na UE no dia 1 de Janeiro e não se pronunciam quanto a este tratado, sucedendo de igual forma, com os potenciais novos Estados-membros, como a Croácia, Macedónia ou Turquia.
O trabalho fundamental é o de diminuir um enorme tratado de seis mil páginas, típico produto de burocratas, e ilegível para os cidadãos europeus. Os gémeos Lech e Jaroslav Kaczynski, amos da Polónia, ameaçaram com o veto.
A Chanceler alemã levou horas para torcer-lhes o braço, mesmo depois de há poucos meses os avisar que a Polónia corria o risco de ser suspensa no seu estatuto de Estado-membro da UE, devido aos seus excessos autoritários.
A acontecer beneficiaria a Turquia, dado a Comissão Europeia ter decidido reabrir as negociações com os turcos. Os contactos estavam interrompidos desde Junho de 2006, pela recusa turca de abrir os aeroportos a voos comerciais cipriotas, ou seja, aos dois terços de gregos da Ilha de Chipre incorporados com elegância na UE.
A Comissão Europeia após Abril examinaria a proposta turca sobre política industrial e empresarial, uma das trinta e cinco que devem ser aprovadas antes da Turquia aderir à UE. Cabe aos Estados-membros decidir se o texto está em conformidade com as exigências comunitárias e tendo aprovação as posteriores negociações poderão iniciar-se sem haver possibilidade de serem suspensas.
A UE aprovou em Abril o capítulo relativo à ciência, investigação e desenvolvimento tecnológico. A entrada da Roménia e Bulgária, vêm facilitar a situação, pois são mais dois votos a favor da Turquia, ainda que de conveniência, para além do facto de ambos os países serem maioritariamente de liturgia bizantina e não romana.
A abertura de um novo ciclo demonstra que o processo volta ao caminho certo, tendo a Alemanha prometido à Turquia que este mês outros três capítulos seriam analisados. Não é por acaso, que a Alemanha é aliada da Turquia, a mais preocupada pelas tendências xenófobas e antijudaicas do regime polaco.
Setenta milhões de muçulmanos pesam mais do que quarenta milhões de fundamentalistas polacos. As reuniões da passada semana retomaram esses temas. Mas o tenaz presidente polaco tinha um aliado na sombra quanto ao assunto turco e aos subsídios agrícolas.
Esse aliado era o Presidente francês de origem húngara, e a Hungria não morre de paixão pela Turquia, uma vez que está situada na Ásia Menor e não na Europa. Para além do problema otomano, a Polónia não aceita o regime de decisões por maioria qualificada, incluído no projecto constitucional.
O mecanismo permitiria adoptar medidas com 55% dos votos dos Estados-membros, ou seja, quinze dos vinte e sete Estados-membros, se representarem 65% da população da UE. Naturalmente, os países mais povoados ganhariam influência. Nesse grupo figuram a Alemanha com 80 milhões de habitantes, o Reino Unido e a França com 60 milhões de habitantes cada, a Itália com 55 milhões de habitantes.
A Polónia e a Espanha com 40 milhões cada e a Roménia com 35 milhões de habitantes ficam na segunda linha. Surge o espectro muçulmano, pois a Turquia com 70 milhões de habitantes situar-se-ia entre a Alemanha e o Reino Unido e a França. Inesperadamente, dia 21 a Polónia formulou uma proposta absurda, contendo o pedido de novas indemnizações por prejuízos derivados da II Guerra Mundial, afirmando que sem os seis milhões de vítimas sofridas, a população actual seria de mais vinte e sete milhões de pessoas que somadas às actuais trinta e oito milhões e quinhentas mil pessoas seria de sessenta e seis milhões actualmente, ou seja, o potencial poder de voto superaria o do Reino Unido e da França. Mas duas singelas razões desvirtuaram esta louca exigência, dado que entre 1939 e 1945, a Polónia viu o seu território reduzido em 75.000 km² e no sentido Ocidental e quanto a mortos a União Soviética teve vinte milhões. Que de tipo de indemnização adicional poderia pedir a Rússia, Bielorrússia e Ucrânia? Nesta cimeira a UE defrontava-se perante uma morte lenta ou levantar-se e caminhar de novo.
Após as rupturas que constituíram os “Não”” franceses e holandeses e os desentendimentos existentes, a Europa sai da estagnação em marcha moderada, sem o fulgor e brilhantismo de outrora.
Precisava de sair da inércia e do marasmo. Matérias fundamentais presidem à sua existência, a Europa como comunidade de direito no seu pilar central, defendido pelos três grandes Estados-membros como a Alemanha, França e Reino Unido.
Quer se queira ou não, o Reino Unido é a cabeça do mundo anglo-saxónico extravasado pelo enorme corpo americano e por outros corpos, canadiano, australiano e neozelandês.
Os juízes britânicos são escrupulosos, cumpridores do direito comunitário. Tony Blair tornou possível que o Reino Unido opte por ficar de fora (Opt-Out) de alguns quadros legais, como no caso dos parágrafos da Carta dos Direitos Fundamentais, comprometedores para a City ou para a Confederação das Indústrias Britânicas.
Os magistrados de Sua Engraçada Majestade aplicarão de forma sistemática a jurisprudência e as normas do Tribunal de Justiça das Comunidades Europeias A UE deve engolir o “Opt-Out” de amarga redacção.
A Chanceler alemã preferiu deglutir este piano de cauda, desde que obtivesse dois grandes objectivos. E obteve-os.
A segunda situação na batalha franco - germana face ao Reino Unido referia-se ao Alto Representante para a Política Externa e de Segurança Comum da UE. As principais atribuições de Javier Solana ou de seu futuro sucessor ficam intocáveis, que são a tríplice função em matéria diplomática, segurança/terrorismo e defesa. Não devemos esquecer que os ingleses mantêm uma forte vocação em matéria de defesa europeia.